26.11.12

No creo en brujas...

A escuridão do quarto é quebrada apenas pela luz fria do computador que ilumina o rosto de uma jovem mulher, na faixa dos 20 anos. Se perguntassem a ela, ela diria que estava acima do peso, mas na realidade ela estava perfeitamente em forma para alguém que dera à luz há apenas 8 meses, como aponta o bebê que dormia pacificamente ao seu lado. Quer dizer, quase em forma. Um volume sob a coberta denuncia o pé envolto em gesso, resultado de uma pisada em falso na escada de casa.
A monotonia do isolamento imóvel é quebrada pela facilidade da tecnologia. Ela aproveita o sono do bebê para assistir seriados americanos que nunca admitiria que um dia houvesse assistido. Os fones de ouvido impedem que o som incomode o sono do bebê, e ela perde a noção do tempo no soma que é a produção televisiva estadunidense.
Um arrepio percorre sua espinha, que nada tem a ver com a temperatura fria que o ar-condicionado proporciona. Ela sente olhos que a observam. Vira-se e depara com o bebê, outrora adormecido, sentado com o olhar fixo nela. Ela sorri para o filho, na tentativa de quebrar a tensão imaginária que se estabelecera. Ele não retribui o sorriso, o olhar imóvel, a expressão severa.
A mulher retira o fone. Sinaliza para que o filho se aproxime, afinal, ele só voltaria a dormir quando fosse amamentado. "Filho?" ela sussurra. Nenhuma reação. "Filhote? Benjamin?" ela agora fala mais alto. Nada. "Meu amorzinho? É a mamãe!" ela acaricia seu rosto, e finalmente o desperta do transe em que ele estava. Respira aliviada.

- Victor?
- Oi?
- Você foi educado no espiritismo, eu já li algumas coisas mas não me lembro direito. O que é que o espiritismo fala sobre uma alma que tenha odiado outra na vida passada e nasce com um laço estreito nessa vida para remendar o mal que foi feito?
- Do que você está falando, Fernanda?
- Bicho, o Benjamin acordou agora e ficou me olhando com ódio. Ele queria me matar, eu tenho certeza.
- Fernanda, vai dormir.

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Uma mulher lava a louça acumulada há dois dias na pia. Na faixa dos 25 anos, ela está claramente acima do peso, não é preciso que perguntem a ela, quanta indelicadeza. Uma criança de três anos está à sua volta, conversando animadamente sobre o amigo imaginário saído de um filme.
- O Buzz estava lá fora. Ele ficou muito feliz porque eu fui buscá-lo, ele estava com medo do escuro.
- É mesmo, filho?
- É, mamãe. Ele também tem medo de fantasma.
Fantasma? Essa era nova. Eles não falavam de fantasmas em casa e ela não se recordava de fantasmas em algum filme ou livro que tivessem lido recentemente.
- É, filho? O que é fantasma?
- Fantasma é isso aqui. Que morreu na nossa casa. Aqui, ó.
Ele aponta para um espaço vazio em sua frente. Ela acha que está na hora de ir dormir.

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